Onde o asfalto encontra o horizonte em Minas Gerais, onde a Paraisópolis beija a Divinópolis, ali, numa esquina de terra e jamais, Nasceu a canção que a alma não morre, não. É a voz de Bituca, um trovão de veludo, que rasga o sertão, mas afaga o ouvido. Um pássaro negro que viu o País nu, e vestiu-o de estrelas num canto sofrido.
”Eu sou da América, do Sul, da canção,” ele diz, mas a gente sente que veio de um lugar mais fundo, Um mapa de estrelas na palma da matriz, onde o sonho é feito da matéria do mundo. Porque se chamavam homens, com fúria e fé, eram também sonhos que a ditadura não calou. Eram travessia em noite que não tem pé, a Maria Maria que o machado não cortou.
Sua melodia não é só do Brasil, é do Cais, do trem azul que leva a saudade e o espanto. É a ponta de areia que o tempo não traz mais, mas que vive na curva de cada canto. Há um menino, um moleque, que não se foi, que mora no peito, no som do violão.
O Milton de ontem, o Milton de depois, a mais pura essência da nossa emoção. Os sonhos não envelhecem. É a verdade nua. Ficam calmos, calmos, em meio ao gás do tempo. A arte dele é a prova que o amor continua, ecoando no clube, em cada pensamento. E quando a voz se eleva, cristalina e forte, dizendo “Nada Será Como Antes,” a gente entende: Que a maior jornada é vencer a morte com a chama que nasce e nunca se rende.
Milton, você é a ponte, a luz no pavio, a esquina que sempre encontra o rio. E a sua canção, ah, a sua canção, É o sonho que não envelhece no coração.
Uma crônica homenageando Milton Nascimento que está com demência e está quase no fim da vida.
“Noite chegou outra vez de novo na esquina
Os homens estão, todos se acham mortais
Dividem a noite, Lua e até solidão
Neste clube, a gente sozinha se vê, pela última vez
À espera do dia, naquela calçada
Fugindo pra outro lugar
Perto da noite estou
O rumo encontro nas pedras
Encontro de vez, um grande país eu espero
Espero do fundo da noite chegar
Mas agora eu quero tomar suas mãos
Vou buscá-la aonde for
Venha até a esquina, você não conhece o futuro
Que tenho nas mãos
Agora as portas vão todas se fechar
No claro do dia, o novo encontrarei
E no Curral del Rei
Janelas se abram ao negro do mundo lunar
Mas eu não me acho perdido
No fundo da noite partiu minha voz
Já é hora do corpo vencer a manhã
Outro dia já vem e a vida se cansa na esquina
Fugindo, fugindo pra outro lugar, pra outro lugar”


