A rotina no ambiente de trabalho se transformou em uma verdadeira batalha emocional para muitos profissionais da região de Presidente Prudente. Somente entre janeiro e junho de 2025, foram 107 processos relacionados a assédio moral, o que representa um crescimento de 18% em relação ao mesmo período do ano anterior, segundo levantamento junto ao Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região.
O número revela não apenas a alta incidência de práticas abusivas nos ambientes profissionais, mas também uma possível maior disposição — embora ainda tímida — das vítimas em romper o silêncio.
“O assédio moral se dá por meio de condutas abusivas repetitivas, que expõem o trabalhador a situações humilhantes e constrangedoras. Ele adoece, perde produtividade e autoestima. Muitas vezes, é forçado a pedir demissão. A Justiça tem atuado, mas o problema é estrutural”, afirma o advogado trabalhista Dr. Rafael Mesquita, especialista em direito do trabalho e direitos humanos.
Justiça já reconhece responsabilidade das empresas
Dois casos emblemáticos acenderam o alerta na região. O primeiro envolve um Hospital, em Presidente Prudente, onde funcionários relataram episódios reiterados de assédio moral institucional. Segundo os autos, houve registros de depressão profunda, afastamentos por esgotamento emocional e até tentativa de suicídio entre servidores. O Estado de São Paulo foi condenado judicialmente, com obrigação de adotar protocolos de proteção e reestruturação da gestão de pessoal.
Outro processo que ganhou destaque foi movido contra a unidade de supermercado na cidade. A Justiça do Trabalho acatou denúncia de práticas abusivas praticadas por uma gestora contra subordinados, com exigência de metas inatingíveis, constrangimentos públicos e perseguição. A empresa foi obrigada a afastar a funcionária, criar canal de denúncias anônimas, oferecer treinamento antiviolência e apresentar relatórios mensais de conduta organizacional.
Assédio moral não é só ofensa é violência psicológica
A psicóloga organizacional Luciana Prado, que atua no atendimento a trabalhadores adoecidos por pressão no trabalho, alerta que o assédio moral muitas vezes não é reconhecido nem pela própria vítima.
“Existe uma cultura de normalização do sofrimento no trabalho. Muitos pacientes chegam com sintomas de ansiedade, pânico e depressão, achando que são incompetentes. Mas quando investigamos, há um histórico de desvalorização, metas abusivas, isolamento e humilhação sistemática. Isso destrói emocionalmente”, explica.
Segundo Luciana, os danos vão além da saúde mental. “Há impactos familiares, queda de produtividade, afastamentos frequentes e, em alguns casos, tentativas de suicídio. É um problema de saúde pública.”
De acordo com o INSS e com o Ministério Público do Trabalho, os afastamentos por doenças emocionais e transtornos mentais aumentaram 119% entre 2023 e 2024 na região de Presidente Prudente, tendência que segue em alta neste ano.
Silêncio e medo ainda dominam
Apesar do aumento de processos, muitos casos seguem ocultos. O receio de represálias, perda do emprego e descrédito diante da hierarquia organizacional impede que as vítimas procurem seus direitos.
“Temos um abismo entre os casos vivenciados e os casos denunciados. As empresas, muitas vezes, protegem o agressor, especialmente se for alguém em cargo de confiança. Falta acolhimento, política interna e coragem institucional para romper esse ciclo”, afirma Dr. Rafael Mesquita.
O Ministério Público do Trabalho reforça que a denúncia pode ser anônima, feita online por meio do site www.mpt.mp.br, e que provas simples como prints, e-mails, gravações ou testemunhos já são suficientes para abrir apuração.
Assédio moral: causas, efeitos e caminhos para combater
Principais formas de assédio relatadas:
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Humilhação diante de colegas
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Pressão por metas inatingíveis
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Retirada injustificada de responsabilidades
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Isolamento social dentro da equipe
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Desqualificação profissional constante
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Restrição de acesso a recursos ou informações
Consequências mais comuns:
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Ansiedade, pânico, depressão
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Síndrome de burnout
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Queda de desempenho
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Afastamento médico
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Pedido de demissão por desespero emocional
O que as empresas devem fazer:
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Criar ambiente seguro e respeitoso
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Oferecer treinamento antiviolência a líderes e gestores
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Implantar canais sigilosos e eficazes de denúncia
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Acompanhar comissões de ética e RH de forma técnica
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Punir agressores, independentemente do cargo
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Apoiar psicologicamente as vítimas e reintegrá-las de forma protegida
Denunciar é um direito. Proteger quem denuncia, uma obrigação. E transformar o ambiente de trabalho em espaço de dignidade é, hoje, o maior desafio das empresas conscientes.